No dia 30 de dezembro, descobri que um dos meus freelas fixos tinha passado por uma demissão em massa e, portanto, o blog para o qual eu escrevia deixaria de existir. Não só isso: eles não queriam começar o ano com o projeto ainda no ar, então era necessário entregar todos os textos que ainda estavam pendentes (para a primeira semana de janeiro) antes do dia 02, para garantir que eu receberia por eles.
Por isso, passei o dia 30, 31 e 1 trabalhando. Deixei de ver uma amiga querida no dia 30, e também não consegui ficar muito na casa dos meus pais no dia 1, e, se você trocou duas palavras comigo no ano de 2022, sabe que essa não era uma rotina muito incomum. Passei muitos, muitos dias do ano passado trabalhando. A sensação que tenho, na verdade, é que passei todos os dias trabalhando.
Em dezembro, finalmente marquei o psiquiatra de novo, porque qualquer menção aos textos como freela faziam meu coração disparar e eu começava a tremer. Eu já senti cansaço antes (acho que, na verdade, sempre estive cansada), mas nunca senti nada tão físico como aquilo. Passei uma semana dormindo no sofá porque não tinha forças para ir até a cama depois de tentar trabalhar (sem sucesso), e atrasei todas as minhas entregas (já atrasadas, vale lembrar). Só então veio aquela suspeita: “Acho que você está abrindo um quadro de burnout, Amanda. Você precisa parar.”
No dia 30, depois de receber a notícia, entrei em pânico. Por causa de dinheiro, é óbvio, e porque assumi uma dívida recorrente de 30m² em Copacabana, e porque tinha uma cachorrinha aqui dentro, e porque ter dinheiro é sinônimo, sempre, de ter segurança. Perder um freela fixo era um rombo imenso no meu caixa (continua sendo), então a minha solução foi somar a exaustão e o medo e ter uma daquelas crises de ansiedade que só um bom tarja preta consegue resolver. Mas eu não tinha nenhuma receita comigo.
Foi em algum momento entre o dia 31 e o dia 1, antes da virada, mas depois do trabalho, que decidi que não queria ficar maluca por causa daquilo. Não podia mais ficar maluca por causa de dinheiro, de freela. Sentadinha diante da minha enorme planilha, eu precisava saber até quando as minhas economias me salvavam e definir um prazo para mim mesma. Feito isso, fiz um daqueles acordos mágicos que só o cérebro neuroatípico consegue seguir: se eu não estiver melhor de grana até o dia x, daí eu posso voltar a ficar maluca e reconsiderar minhas opções. Antes disso, não.
No dia 2, minha rotina era mais simples: eu tinha um trabalho de 8h às 17h, e depois disso não tinha mais nada para fazer. Meus outros freelas estavam em recesso, então acabei ganhando de presente uma primeira semana extremamente tranquila. Bastou cinco dias disso para que eu percebesse que, puta merda, é bom demais trabalhar em uma rotina normal. É bom demais não ficar doze horas na frente do computador. É bom demais fazer outras coisas entre a hora em que eu acordo e a hora em que vou dormir.
Este também foi o primeiro fim de semana em que não trabalhei em sabe Deus quanto tempo. Em vez disso, fui até a casa dos meus pais, passeei numa chácara e comprei plantas aqui pra casa, fui ao cinema ver o tipo de filme que há literais anos eu não sentia vontade de assistir. Li 1/3 de um calhamaço e senti prazer de novo. No domingo, passei duas horas pedalando e sentindo vento no rosto. Dormi bem todas essas noites.
Depois de 12 dias assim, até consegui voltar a olhar para a minha pesquisa de doutorado (!!!), que eu tinha jurado abandonar quando ainda era dezembro. Continuei lendo, voltei a escrever no diário com alguma frequência, aproveitei a promoção do Mubi porque queria voltar a ver filmes, bons filmes, filmes que me fizessem sentir alguma coisa. E está funcionando.
Em uma das últimas entradas do meu diário, escrevi: “tenho gostado da sensação de estar viva.” Não lembro de nenhuma outra entrada assim nos últimos três anos. Feliz 2023.