traço de personalidade
Há muitos anos, quando a gente ainda tinha blogs e as pessoas ainda faziam TAGs, um grupo de meninas que eu acompanhava fez uma espécie de post coletivo com a música Capitão Gancho, da Clarice Falcão. Lembro muito vagamente do que foi escrito (vocês sabiam que os blogs "acabaram" em 2016?), mas sei que a proposta da coisa era basicamente reescrever a letra da música de uma maneira um pouco mais pessoal. Se não fossem [insira aqui tudo aquilo que te marcou], não seria eu.
Essa era uma música da qual eu gostava bastante (acho que ainda gosto), e lembro de ficar lendo cada um desses posts rascunhando, na minha cabeça, como seria uma versão minha de todas aquelas marcas. Nessa época, porém, eu devia estar no alto dos meus 14 anos, e todo aprendizado era ainda muito superficial — se bobear, mesmo os de hoje ainda são —, de modo que eu nunca completei a música e a coisa se perdeu numa dessas gavetas de ideias de posts que a gente nunca mais abriu desde que parou de usar o Blogspot.
Às vezes, ainda lembro dessa época e fico tentando completar a lista. Se não fossem etc., não seria eu. Hoje, esse é um tema recorrente na minha terapia, como deve ser para todas as crianças overachievers que nunca se acharam capazes de construir a própria personalidade, e com frequência me pego pensando nos meus traços que são, de fato, definidores de quem eu sou — se é que eles existem. Com certeza é mais fácil construir esse mural hoje em dia do que foi na minha adolescência, mas não raro encontro buracos e imagino se a ausência desses traços não significa que eu nunca aprendi de fato a virar uma pessoa.
Isso tudo estava rodando pela minha cabeça na semana passada, até os rumores sobre uma nova expansão do The Sims começarem a tomar forma na minha pequena comunidade. E foi aí que me ocorreu: eu até tenho alguns traços de personalidade meio superficiais — eu leio, tiro umas cartas de tarô, não sou completamente ruim lendo um mapa astral, sei alguns fatos inúteis, essas coisas —, mas o The Sims é uma marca muito séria na minha vida. Estranhamente recorrente. Cada vez mais definitiva. Então, se eu tivesse que reduzir toda a minha personalidade a uma única coisa que realmente atravessa todos esses anos, é muito provável que fosse isto: o The Sims.
Se não fossem a minha necessidade de controle e o meu hábito de fugir para realidades alternativas e a EA criando o primeiro simulador de vida real e os meus pais apoiando cegamente todas as formas de entretenimento que não envolvessem pisar fora da minha casa e aquela minha tia que me disse que tinha um jogo de computador muito legal, não seria eu. Ou algo assim.
Eu tenho muitos comentários bastante nichados sobre o The Sims que poderiam ser feitos em um post — digo isso tendo escrito mais de 2 mil palavras sobre pacotes de expansão e decidido que não valia a pena entrar em tantos detalhes assim, afinal. E eu também tenho muitas opiniões sobre eventos mais recentes que pertencem principalmente à comunidade. Mas o que importa mais no meio disso tudo é que foi o TS que me deu um senso de estabilidade que, até literalmente alguns dias atrás, eu não sabia dizer exatamente de onde vinha.
Minha psicóloga acha engraçado quando eu menciono que, nos momentos em que a minha ansiedade está realmente fora de controle, jogar The Sims se torna uma maneira de me autorregular. E é claro que ela enxerga muito mais do que eu nessa ação de sentar diante de uma tela que não está conectada à internet e brincar de Deus, mas o jogo também é mais do que "só" uma maneira de colocar em prática todos os meus vícios de controle e toda a minha possibilidade de criar a vida perfeita.
Jogo The Sims desde os 7 anos de idade, e só aí já são 18 anos de rotina. Passei por todas as etapas da minha vida espelhando fatos e recriando histórias dentro do mesmo simulador. Já tive todas as profissões possíveis, todos os animais possíveis, todas as famílias possíveis, e de vez em quando penso no TS como algo que não pode mais me abrir possibilidades narrativas — mas é claro que pode; sempre tem um outro jogador disposto a sair com um desafio um pouco mais esquisito.
Foi jogando The Sims que decidi ser arquiteta, decisão que me acompanhou dos 8 aos 16 anos, e foi jogando The Sims que tive espaço para recriar de maneira mais gentil aquilo que me machucava no "mundo real". Foi jogando que entendi o que as pessoas veem em jogos de RPG, que passei a gostar mais de ler sobre decoração de interiores e diferentes estilos, que descobri uma parte de mim mesma que ainda sabe fazer coisas bonitas e absolutamente inúteis (no melhor sentido da palavra).
Durante muitos anos achei que jogar The Sims era um traço de personalidade um pouco bobo; um que eu não deveria deixar ninguém saber que existia, ou que eu não deveria me orgulhar de ter. E não é que eu olhe para a EA e pense "meu Deus, ainda bem que você existe" (só às vezes), mas, principalmente nos últimos anos — com a pandemia do lado de fora e todas as coisas que ficaram presas do lado de dentro —, ter encontrado outras pessoas igualmente obcecadas com coisas tão pequenas quanto updates gratuitos e adolescentes se barbeando me deu um senso de pertencimento e tranquilidade novo e diferente, algo no qual me agarrar. E só por isso acho que gastar meu suado dinheirinho em pacotes de expansão se justifica.